Não obstante o tema em questão nuclear essencialmente o Direito Sucessório – o qual, em síntese, disciplina a transferência do patrimônio do falecido aos seus herdeiros –, não se pode olvidar seu significativo reflexo ao Direito Imobiliário – ambos incorporados à área do Direito Civil –, quando a herança (ou parte dela) representa bens imóveis.
Ampla discussão acerca da matéria consiste na viabilidade ou não de se alocar maior fração do legado a um dos descendentes – e o que prescreve a legislação, a doutrina e a jurisprudência nesse sentido.
Insta consignar, antes de mais nada, que resta totalmente dispensável qualquer justificativa especial para que o(a) progenitor(a) possa destinar um fragmento maior do seu patrimônio para um dos seus sucessores.
Entretanto, tal fração "maior" não pode, sob hipótese alguma, exceder cinquenta por cento dos bens da herança, isto é, a parte considerada "disponível", segundo se confere da redação assecuratória do art. 1.846 do Código Civil: “Pertence aos herdeiros necessários de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”
Ademais, necessário evocar que tal adiantamento de parte do patrimônio do(a) progenitor(a) aos seus descendentes pode se dar por intermédio de testamento ou doação.
A doação do(a) progenitor(a) para um de seus descendentes pode se concretizar através da "antecipação de legítima" – sob a condição de que este sucessor remaneje, posteriormente, tal doação, à devida colação quando do óbito do(a) progenitor(a), equiparando, dessa forma, a sua quota hereditária com a dos demais herdeiros –; ou da doação exonerada da colação – situação na qual referida doação não poderá ultrapassar a parte disponível, isto é, cinquenta por cento do patrimônio do doador.
Em que pese a lei seja clara ao determinar que o limite entre a parte disponível e indisponível de cinquenta por cento do patrimônio do doador deva ser apurado no momento da própria doação, na práxis, ainda é difícil constatar o momento exato para fins de se diagnosticar esse marco – uma vez que na ocasião do falecimento é que a herança é considerada "examinada" na sua totalidade e, consequentemente, as legítimas dos herdeiros necessários; contudo, o(a) progenitor(a), pode ter transferido (em vida) parte de seus bens para um dos seus descendentes, no "limite" de cinquenta por cento, prescindindo-se a colação, mas, após, haver se tornado financeiramente deficitário, desprovido de recursos para partilhar entre os herdeiros remanescentes (aqueles que não foram beneficiados com a doação) quando vier a falecer.
De todo modo, a lei assegura o ato jurídico na medida que impõe como referência para estimativa do limite da validez da doação o próprio instante em que esta é perfectibilizada – prescindindo, para efeitos legais, após o ato, conhecimento da situação patrimonial e financeira da figura do doador.
É recomendável contar com assessoria especializada para análise de cada caso. Para maiores esclarecimentos, consulte um(a) advogado(a) de sua confiança.
Mirelle C. Wisbeck Krieger é advogada inscrita na OAB/SC nº 28.690, especialista em Direito Imobiliário com ênfase em Direito Ambiental, sócia da Wisbeck Advocacia & Assessoria Jurídica e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC - Subseção de Itajaí.
Contato: mirelle@wisbeck.adv.br
Publicado no Jornal "O Tempo" (Itajaí/SC)
Ed. 839, 23.02.2018, p. 6.