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21 de Dezembro de 2024 - 

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PL 1179/2020 — COVID-19 e os impactos de caráter emergencial e transitório afetos ao Direito Imobiliário

O Senado Federal, na última sexta-feira (03/04/2020) [após a apresentação de oitenta e oito emendas, e da orientação dos líderes de partido para a aprovação do projeto substitutivo apresentado pela senadora Simone Tebet (MDB/MS)], aprovou o Projeto de Lei nº 1179/2020 proposto pelo senador Antônio Anastasia (PSD/MG), de caráter emergencial, visando instituir diversas normas transitórias nas mais variadas e amplas relações jurídicas de Direito Privado, durante a pandemia causada pelo COVID-19 — tendo sido, votado em separado e, aprovado, apenas um destaque do projeto substitutivo apresentado [a Emenda nº 85], acrescentando-se um dispositivo que reflete, mormente, na Política Nacional de Mobilidade Urbana].
 
Já no âmbito do Direito Imobiliário, especialmente, se aprovado pela Câmara dos Deputados o texto já aprovado no PL pelo Senado, afetará, direta e imediatamente, o Código Civil, o Código de Processo Civil, a Lei de Locações e o Estatuto da Terra — nos eventos ocorridos entre 20 de março de 2020 (marco inicial) até 30 de outubro de 2020 (termo final).
 
Vejamos sob quais aspectos:
 
(i) Impedimento ou suspensão dos prazos prescricionais até 30 de outubro de 2020, conforme artigo 3º do PL [isto porque, os artigos 189 a 206 do Código Civil (que tratam do instituto da prescrição e suas causas de interrupção e suspensão) não prevêem qualquer disposição sobre caso fortuito ou força maior], tendo como efeito específico adiar os embates sobre créditos eventualmente atingidos pela pandemia, não tendo o texto do PL prevalência sobre as causas de interrupção e suspensão já anteriormente arroladas nos respectivos artigos do Código Civil;
 
(ii) Os artigos 6º e 7º do PL, ao considerarem que os efeitos da pandemia açambarcam a definição de caso fortuito ou de força maior, determinam que não se aproveitarão as obrigações vencidas antes do marco temporal fixado no PL, exceto o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou substituição do índice monetário;
 
(iii) Não haverá concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo ingressadas no período compreendido entre 20 de março de 2020 a 30 de outubro de 2020, exceto nas seguintes hipóteses (isto é, ainda cabe liminar): (a) quando no término do prazo da locação para temporada, tendo sido proposta a ação de despejo em até trinta dias após o vencimento do contrato; (b) a morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação, permanecendo no imóvel pessoas não autorizadas por lei; e (c) havendo a necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel, determinadas pelo poder público, que não possam ser normalmente executadas com a permanência do locatário, ou, podendo, ele se recuse a consenti-las. Importante ressaltar, inclusive, que o artigo 10 do PL original, previa a “polêmica” suspensão da obrigação no pagamento dos aluguéis residenciais nas hipóteses de o locatário comprovar alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração. Tal disposição foi retirada do texto do PL, por conta de vários argumentos trazidos nas emendas que foram propostas, em prol do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos;
 
(iv) Prorrogação de contratos agrários e suspensão, até a data de 30 de outubro de 2020, da proibição da celebração de contratos de arrendamento com empresas nacionais cujo capital social pertença majoritariamente a pessoas naturais ou jurídicas estrangeiras (artigos 11, 12 e 13 do PL), especialmente, o prazo para promover a notificação extrajudicial do arrendatário sobre as propostas existentes, bem como o prazo para o exercício do direito de preferência na renovação do contrato;
 
(v) a suspensão da contagem dos prazos aquisitivos para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, até 30 de outubro de 2020 (artigo 14 do PL). Algumas emendas, no entanto, pretendiam incluir a proibição de liminares de reintegração de posse, assim como a suspensão de pagamento de parcelas de créditos habitacionais para os devedores que comprovassem terem sido atingidos financeiramente pela pandemia — mas não foram acatadas ao texto do PL;
 
(vi) Ainda, os artigos 15 a 17 do PL, prevêem, autorização, aos síndicos de condomínios edilícios, na restrição de utilização de áreas comuns, reuniões, festividades e uso de abrigos de veículos por terceiros e obras, ressalvado o acesso à propriedade particular dos condôminos;
 
(vii) segundo o artigo 23 do PL, o termo inicial para contagem do prazo de conclusão do inventário e de partilha, para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro, seguirá dilatado para 30 de outubro de 2020 — já concernente aos processos iniciados antes de 1º de fevereiro e, ainda, não esgotados, o prazo será suspenso até, também, 30 de outubro de 2020.
 
Sou de opinião, que, em relação à proibição de obter-se liminar de despejo durante o período da pandemia pelo motivo de “falta de pagamento”, por exemplo, estar-se-á, de todo o modo, beneficiando exageradamente o locatário e posicionando o locador em extrema desvantagem, uma vez que o imóvel continuará à disposição do devedor, nas mesmas condições contratuais, sem que este, em contraprestação, adimpla regularmente sua obrigação, reduzindo consideravelmente fonte de renda do locador-credor — que, muitas vezes, servia para que este pudesse, também, pagar seus credores, e assim por diante.
 
Já no tocante à suspensão do prazo aquisitivo para os casos de Usucapião, entendo, por óbvio, que tal medida emergencial e transitória só se aplica para os casos em que os prazos mínimos de aquisição, exigidos pelo Código Civil, ainda não tenham sido atingidos.
 
Por fim, perfilhando-me à mesma linha de entendimento do ilustre Professor e Autor, Luiz Antônio Scavone Júnior (via textos e posicionamentos publicados em suas redes sociais), especialmente no que tange aos contratos, nos casos em que o devedor demonstrar ter sido atingido financeiramente pela pandemia (artigos 393 e 396 do Código Civil), independentemente de haver ou não previsão de suspensão de pagamentos durante a pandemia para tais casos de comprovação de redução financeira do devedor, via de regra, o que se afastará, tão somente, é a mora e seus efeitos (aplicação de multa, juros de mora e cláusula penal porventura estipuladas em contrato); uma vez a obrigação do devedor de pagar as prestações (frise-se, sem os efeitos de mora) persistirá assim quando cessar o estado de insuficiência financeira causado durante o período da pandemia (ou mesmo do congelamento, se fosse o caso de manutenção do artigo 10 do PL original).
 
Não obstante, a lacuna deixada no PL nesse sentido, desaguará, inevitavelmente, na judicialização de inúmeras demandas de revisão ou resolução contratual (com base nos artigos 317 e 478 do Código Civil), onde [ainda que sob o ponto de vista de que não haverá, em muitos casos, “desproporção” (mútua) como um dos requisitos ensejadores da teoria da imprevisão (317, segunda parte, CC) para o fim de justificar a revisão contratual; e no caso de resolução contratual, em muitos casos, ao conceito de “obrigação excessivamente onerosa” não se poderá coadunar o elemento objetivo exigido pelo dispositivo legal (478, CC) “em extrema vantagem para a outra parte”, muito pelo contrário: a outra parte, credora, estará em extrema desvantagem, seja por não receber seus créditos devidos da maneira regularmente/originalmente contratada, seja porque o bem imóvel, objeto do contrato, continuará nas mesmas condições e à disposição do devedor].
 
Diante de tais circunstâncias, cada magistrado — em que pese a individualidade de cada caso concreto —  acabará adotando medidas, seguindo razões não uníssonas de entendimento para casos, de alguma forma, considerados “semelhantes” entre si, “colaborando” negativamente à potencialização da insegurança jurídica nesse período de tempo — período este, por si só, já sendo tão danoso à Sociedade em geral, também em inúmeros outros setores.
 
Mirelle C. Wisbeck Krieger é advogada inscrita na OAB/SC nº 28.690, especialista em Direito Imobiliário, sócia da Wisbeck Advocacia & Assessoria Jurídica, Conselheira da OAB/SC - Subseção de Itajaí, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/SC - Subseção de Itajaí e Árbitra da Câmara de Arbitragem e Mediação de Santa Catarina - CAMESC.
Contato: mirelle@wisbeck.adv.br
 
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