É abusiva a cláusula contratual que, para admitir a prorrogação do prazo inicialmente alinhavado por mais 180 (cento e oitenta dias) dias, isenta a construtora de justificativas.
Não há como afastar a responsabilidade pela mora no cumprimento da obrigação, visto que empresas que atuam há anos no mercado imobiliário, devem prever eventuais embaraços para finalizar a obra que se comprometeram a vender (risco da atividade).
Nesse contexto, fatores climáticos, escassez de mão de obra, curta paralisação por ordem judicial ou atraso na obtenção do habite-se são fatores previsíveis e evitáveis, pois inerentes à atividade econômica desenvolvida, e, portanto, não configuram fato fortuito ou força maior a justificar exclusão de responsabilidade da construtora por atraso na entrega de empreendimento imobiliário.
De acordo com o artigo 393, parágrafo único, do Código Civil, o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
Transcorridos os prazos contratuais de que dispunha, sem que tenha sido apresentado evento legitimamente excludente de responsabilidade, incide a construtora em mora na entrega da unidade imobiliária.
É evidente que o promitente comprador, ao não receber o seu imóvel no prazo pactuado, sofre significativo dano material, pois não consegue concretizar o que havia esquematizado, em decorrência da impossibilidade de desfrutar do imóvel no período em que teria direito, consubstanciando, assim, os lucros cessantes.
A indenização de lucros cessantes, no caso de atraso na entrega de imóveis, não é decorrente à locação do bem propriamente dita: provém da privação do uso em virtude da inexecução contratual por culpa exclusiva da construtora.
A relação jurídica é consumerista, na medida em que as partes adentram nos conceitos de "consumidor" e "fornecedor" dispostos nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que a construtora figura no contrato de compra e venda de unidade imobiliária em construção como vendedora, negociando (no mercado de consumo) bem imóvel adquirido pelo consumidor como destinatário final. Tratando-se, pois, de relação de consumo, afigura-se possível a revisão das cláusulas contratuais, na forma autorizada pelo Art. 6º do CDC, em especial o inc. V.
É de se concluir, portanto, que os motivos supramencionados, em relação ao empreendimento, são ocorrências previsíveis do negócio, intrínsecas ao próprio risco da atividade da construtora, não podendo ser utilizadas como justificativa para a utilização do prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, para a conclusão da obra e entrega das chaves ao consumidor.
Por fim, a depender de cada caso, figura-se possível pleitear na Justiça o congelamento do saldo devedor, quando utilizado o prazo de tolerância sem justificativas e/ou por fortuito interno, configurando-se inadimplemento contratual por parte da construtora ante o atraso na entrega das chaves.
É recomendável contar com assessoria especializada para análise de cada caso. Para maiores esclarecimentos, consulte um(a) advogado(a) de sua confiança.
*A autora é advogada, especialista em Direito Imobiliário, sócia da Wisbeck Advocacia & Assessoria Jurídica e membro das Comissões de Direito Imobiliário e Cartórios Extrajudiciais da OAB/SC - Subseção de Itajaí.
Contato: mirelle@wisbeck.adv.br
Publicado no Portal Eletrônico do Jornal de Olho (Blog de Direito Imobiliário)
http://jornaldeolho.com.br/blog/direito-imobiliario/prazo-de-tolerancia-de-180-dias-para-entrega-da-obra-afinal-a-construtora-pode-utiliza-lo/2365